quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Treinamento Evolutivo – Parte 1

Essa é a primeira postagem de 2016, estive um pouco afastado do “ato” escrever devido às festividades de natal e ano novo, como também pela carga de trabalho do inicio de janeiro. Espero que todos vocês tenham um excelente ano de 2016.

Na primeira postagem de 2016 quero tratar de um assunto que já abordei anteriormente (aqui), como devemos treinar considerando uma abordagem evolutiva? Para isso usarei como base um artigo chamado Do Olympic Athletes Train as in the Paleolithic Era? [1].  O objetivo desta primeira parte é contextualizar a ideia central deste tema, que é usar a abordagem evolutiva para criar um programa de treinamento para saúde, condicionamento físico e desempenho.


Tem sido sugerido que o estilo de vida caçador-coletor adotado pelos nossos ancestrais humanos gerava uma grande necessidade das atividades físicas aeróbicas (AFA), o que também pode ter influenciado a neurobiologia humana. Um trabalho de revisão da literatura [2] abordou uma nova hipótese que liga a AFA realizada durante nossa evolução a possíveis alterações neurobiológicas. A evidência para esta relação evolutiva inclui dados que ligam a capacidade aeróbica ao tamanho do cérebro, as neurotrofinas e a outros fatores de crescimento. Essa hipótese também se apoia em experimentos evolutivos detalhando como seleção para o desempenho aeróbico isoladamente pode ter afetado a neurobiologia. Este conjunto de informações embasa uma nova hipótese na qual a neurobiologia humana foi influenciada por nossa história evolutiva como atletas de endurance [de resistência ou longa duração].

Assim, as características hereditárias de nossa espécie são, teoricamente, aquelas que se encaixam melhor com as demandas de sobrevivência exigidas pelo meio ambiente, já que estas características são o produto de milhões de anos de interação gene-ambiente. As evidências científicas sugerem que as modernas doenças metabólicas e cardiovasculares estão relacionadas com a alteração no estilo de vida humana que ocorreu nos últimos séculos, a troca de um estilo de vida fisicamente ativo em ambiente natural ao ar livre para um estilo de vida sedentário em ambientes fechados está na raiz de muitas das doenças crônicas presentes atualmente [3]. A inatividade física aumenta o risco relativo de doença arterial coronariana em 45%, acidente vascular cerebral em 60%, hipertensão em 30% e osteoporose em 59% [4] e a solução para isso parece estar em simular o padrão de atividade humana ancestral considerando o modo de exercício, a duração, a intensidade e a frequência que estão relacionadas com nosso genoma [3].

O novo estilo de vida pode ter interrompido as informações genéticas da nossa espécie e os requisitos ambientais para a nossa sobrevivência, mesmo que a nossa herança genética não tenha sido alterada significativamente desde o Paleolítico já que nossos ancestrais viveram como caçador-coletores por 84.000 gerações [5]. As adaptações selecionadas para a sobrevivência durante o período da evolução podem ter se tornado adaptações ruins sob a atual mudança ambiental da atividade física, ou seja, inatividade [4].

Esta dissonância entre a condição ambiental da Idade da Pedra e o ambiente moderno é a base da chamada hipótese da incompatibilidade que tem sido utilizado pela medicina evolutiva para explicar as doenças modernas.  Williams & Nesse [6] explicam que a evolução por seleção natural tem sido por muito tempo uma fundação para a ciência biomédica, que recentemente ganhou novo poder para explicar muitos aspectos das doenças. Este paradigma de investigação pode ser considerado cada vez mais significativo para prever as facetas da biologia humana e fornecer novas pistas sobre as causas das desordens médicas, tais como infecções, lesões, toxinas, fatores genéticos e ambientes anormais [6].

Embora a relação entre a herança genética, estilo de vida e saúde pareça clara, os pesquisadores dão menos atenção para a possível influência da nossa carga genética nas adaptações fisiológicas ao treinamento atlético e subsequente desempenho esportivo. A genética do esporte é um campo em crescimento, o que tem proporcionado informações importantes sobre carga genética específica para uma maior capacidade de resposta às várias modalidades físicas e desportivas. As características individuais que podem ser observadas e são consequência da expressão genética de uma pessoa (fenótipo) como força muscular, massa corporal magra, elasticidade dos tendões, tamanho do coração e dos pulmões influenciam o desempenho físico [7]. Este tipo de influência foi demonstrado pela primeira vez a cerca de 15 anos atrás [8] quando alterações genéticas de uma enzima conversora de angiotensina, que está envolvida no controle do volume de líquido extracelular e da pressão arterial, foram associadas a uma maior capacidade de desempenhos que envolvam atividades de endurance/resistência. Outro exemplo é a influência do gene receptor de vitamina D sobre a força de mulheres antes e após a menopausa e também em homens idosos [8].


No entanto, a ligação entre os genes, tipo de treinamento e o desempenho esportivo pode ser limitada, como foi demonstrado em um estudo [9] onde a melhora da capacidade aeróbica máxima foi avaliada após diferentes protocolos de treinamento que foram determinados com base nas características genética dos participantes. Cerca de 20% dos indivíduos tiveram uma melhora menor do que 5%.

Em alternativa, pode ser interessante analisar as evidências ligando estímulos de treinamento e as respostas fisiológicas com o padrão de atividade física que moldou o genoma humano através das pressões da seleção natural. Em outras palavras, uma hipótese atraente pode ser que as atividades que favoreceram a sobrevivência realizadas durante o Paleolítico podem gerar as melhores adaptações fisiológicas e consequentemente o um melhor desempenho do que programas de treinamento que desconsiderem essa abordagem evolutiva [10].



Caso consideremos a abordagem evolutiva para formatação de um programa de treinamento, uma resposta genética adequada ao treinamento com características semelhantes às atividades físicas realizadas pelos nossos ancestrais caçador-coletores pode ser esperada. Isso gera a necessidade de caracterizar a formatação desse programa de treinamento com base evolutiva.  Em postagens futuras tratarei da forma mais detalhada sobre essa formatação.

Carlinhos
treinamentocarlinhos@gmail.com

Referências
  1. Boullosa DA, et al. 2013. Do Olympic Athletes Train as in the Paleolithic Era?
  2. Raichlen DA, Polk JD. 2013. Linking brains and brawn: exercise and the evolution of human neurobiology.
  3. O’keefe JH et al. 2010. Achieving hunter-gatherer fitness in the 21(st) century: back to the future.
  4. Booth FW, Lees SJ. 2007. Fundamental questions about genes, inactivity, and chronic diseases.
  5. Fenner JN. 2005. Cross-cultural estimation of the human generation interval for use in genetics-based population divergence studies.
  6. Williams GC, Nesse RM. 1991. The dawn of Darwinian medicine.
  7. Puthucheary Z, et al. 2011. Genetic influences in sport and physical performance.
  8. Puthucheary Z, et al. 2011. The ACE gene and human performance: 12 years on.
  9. Timmons JA, et al. 2010. Using molecular classification to predict gains in maximal aerobic capacity following endurance exercise training in humans.
  10. Boullosa DA, et al. 2010. Effectiveness of polarized training for rowing performance.


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